O Contrato‑Promessa de Compra e Venda (CPCV) é um dos instrumentos mais relevantes do direito imobiliário português. Assume particular importância quando comprador e vendedor chegam a acordo sobre os elementos essenciais da futura transmissão do imóvel, fixando desde logo as condições fundamentais do negócio.
O CPCV estabelece, de forma vinculativa, os termos em que as partes se comprometem a celebrar o contrato definitivo. Entre os elementos normalmente previstos encontram‑se:
o preço e condições de pagamento
a identificação do imóvel
prazos essenciais
garantias e obrigações das partes
condições de entrega do bem (traditio rei)
Este contrato permite dar segurança jurídica ao processo, garantindo que ambas as partes ficam obrigadas a concretizar o negócio nos termos acordados.
A lei portuguesa é clara quanto à forma exigida para a validade do CPCV relativo a bens imóveis. O contrato só é válido se:
estiver assinado por ambas as partes, e
as assinaturas forem presencialmente reconhecidas.
Este requisito resulta do artigo 410.º do Código Civil, cuja redação atual (introduzida em 1980) determina, no n.º 3, que o documento deve conter:
o reconhecimento presencial das assinaturas do(s) promitente(s), e
a certificação da existência da licença de utilização ou de construção do imóvel.
A finalidade é inequívoca: garantir a identidade e poderes dos signatários e assegurar que o imóvel objeto do negócio possui a documentação legal necessária, prevenindo situações de construção ilegal ou ausência de licença.
A ausência desta formalidade implica invalidade mista do contrato. Contudo, a invalidade pode ser sanada posteriormente, por exemplo, com a obtenção da licença de utilização ou de construção.
A jurisprudência tem sido uniforme ao afirmar que o artigo 410.º, n.º 3, estabelece uma norma imperativa, destinada a proteger especialmente o promitente‑comprador, dada a relevância económica e patrimonial do negócio.
O reconhecimento presencial das assinaturas funciona como um mecanismo de:
solenidade,
consciencialização das partes, e
reforço da segurança jurídica.
É frequente, na prática, que as partes questionem se podem incluir no CPCV uma cláusula que dispense o reconhecimento de assinaturas ou que impeça a invocação da nulidade decorrente da sua falta.
A resposta é clara: não podem.
A jurisprudência tem reiterado que:
sendo o artigo 410.º, n.º 3, uma norma de interesse público e caráter imperativo,
é nula qualquer cláusula que pretenda afastar a obrigatoriedade do reconhecimento de assinaturas ou impedir a invocação da nulidade correspondente (artigo 220.º do Código Civil).
Também é inválida qualquer cláusula que tente qualificar automaticamente essa invocação como abuso de direito, uma vez que tal qualificação depende sempre de uma análise concreta e casuística.
Há, contudo, situações em que a invocação da nulidade pode constituir abuso de direito — por exemplo, quando:
ambas as partes prescindem conscientemente da formalidade,
executam o contrato durante meses sem qualquer reserva,
e apenas mais tarde uma delas tenta invocar a nulidade por conveniência.
Nestes casos, os tribunais podem considerar que a parte atuou contra a boa‑fé.
Apesar das alterações legislativas introduzidas pelo pacote SIMPLEX no domínio do urbanismo — nomeadamente a eliminação da obrigação de apresentar a licença de utilização nos atos de transmissão de propriedade — o artigo 410.º, n.º 3, do Código Civil não foi alterado.
Assim, continua a ser obrigatória a apresentação da licença de utilização ou de construção para efeitos de reconhecimento de assinaturas no CPCV.
O CPCV continua a ser um instrumento central na compra e venda de imóveis em Portugal, exigindo rigor formal e documental. O reconhecimento presencial das assinaturas e a certificação da licença são requisitos legais imperativos, destinados a proteger ambas as partes e a assegurar a legalidade do negócio.